Artigo: Porque a ida do presidente da VW Brasil para os EUA é ruim para nós

Pablo Di Si vai tocar o processo de eletrificação do Grupo VW nos Estados Unidos

Esse vai fazer falta

A Volkswagen anunciou nesta terça-feira (19) que Pablo Di Si, atual presidente e CEO da VW Brasil e América Latina, foi promovido e será, a partir de 1o. de setembro, CEO e presidente do Grupo VW da América e CEO da VW América do Norte.

Sua missão por lá está bem clara: colocar em prática um avanço da marca no mercado norte-americano baseado na eletrificação do portfólio. O plano já anunciado para aquela região prevê nada menos do que o lançamento de 25 modelos 100% elétricos até 2030, além da produção local do ID.4 na planta de Chattanooga, no Tennessee. Comunicado da VW reforça ainda que “o Grupo desenvolverá recursos voltados para veículos elétricos em engenharia, pesquisa e desenvolvimento, montagem, produção de componentes e fortes parcerias com fornecedores”.

Pablo substituirá Scott Keogh, nomeado presidente e CEO da Scout, nova marca do Grupo VW baseada nos EUA que fabricará picapes e SUVs elétricos “verdadeiramente americanos”.

O substituto de Pablo à frente das operações brasileira e latino-americana ainda não foi anunciado, o que deverá ocorrer até o fim de agosto.

Para o Brasil não deixa de ser uma perda, pois Di Si estava envolvido pessoal e diretamente no esforço de produção local de modelos híbridos flex, por exemplo. Ele foi o primeiro executivo de uma grande montadora a falar claramente sobre o etanol no futuro do mercado nacional e seu papel, que entende fundamental, no processo de eletrificação local. E isso há uns bons anos. Somente agora outros líderes de fabricantes de veículos começaram a adotar o mesmo discurso.

Foi graças aos esforços de Pablo Di Si que a Volkswagen do Brasil foi nomeada líder global de pesquisa e desenvolvimento para o estudo de soluções tecnológicas baseadas em etanol e outros biocombustíveis para mercados emergentes, que utilizem energia limpa, para a combustão e soluções híbridas, o que inclui a construção de um centro de P&D exclusivo na fábrica Anchieta, em São Bernardo do Campo. O mais notável é que este centro será totalmente independente da matriz no desenvolvimento de tais tecnologias, que poderão, dependendo do caso, chegar até a outros mercados mundiais.

Nas entrelinhas pode-se entender que Pablo comprou praticamente sozinho dentro do Grupo VW a briga de dar ao Brasil e à América do Sul papel relevante no futuro da indústria automotiva global. E recebeu como resposta da matriz algo parecido com um “se você acha que dá para fazer, faça, pois na Europa, Ásia e Estados Unidos já decidimos que a eletrificação pura é o caminho. Se quiser fazer algo diferente, se vire por aí”.

Ele ainda fechou acordos e parcerias para esse tipo de desenvolvimento com a Bosch e a USP.

Será que a missão já estava cumprida? Naturalmente que a VW oficialmente dirá que sim, oferecendo algo como um atestado de que Pablo Di Si pavimentou o caminho e agora a rota já está traçada. Mas o centro de P&D ainda não foi sequer inaugurado (a previsão é setembro). Em julho do ano passado, quando foi anunciada a criação do centro, Di Si afirmou que “sediar aqui no Brasil o novo Centro de P&D para etanol e outros biocombustíveis nos coloca em evidência no mundo Volkswagen. Poder liderar, desenvolver e exportar soluções tecnológicas a partir do uso da energia limpa dos biocombustíveis se caracteriza como uma estratégia complementar às motorizações elétrica, híbrida e à combustão a mercados emergentes e é um reconhecimento enorme para a operação na América Latina. Vamos atuar em parceria com governo, universidades e a agroindústria para que possamos trabalhar com o que há de melhor para o futuro da mobilidade”.

Em março deste ano Matthias Michniacki, vice-presidente de Desenvolvimento do Produto para Brasil e América do Sul da VW, complementou o raciocínio garantindo que “os biocombustíveis, como o etanol brasileiro, apresentam um grande potencial de contribuição para a estratégia global de neutralização de carbono até 2050. Com o Centro de Pesquisa de Biocombustíveis pretendemos estabelecer parcerias locais com universidades, institutos e empresas para explorar a vocação e conhecimento da região no tema e encontrar soluções para a mobilidade sustentável em complemento à eletrificação veicular”.

Se o substituto de Di Si na VW Brasil e América Latina não tiver o mesmo entendimento sobre o mercado brasileiro e latino-americano (e sua ‘importância’), ou, falando mais abertamente, não tiver ânimo ou disposição para comprar a mesma briga que ele, a região perderá uma gigantesca oportunidade de tornar-se também uma referência mundial na descarbonização, pesquisando e desenvolvendo uma solução própria e ajustada para a eletromobilidade.

Não custa também lembrar que Pablo Di Si é argentino: guarda raízes e preocupação real e legítima com a região. Se seu sucessor for, por exemplo, alemão, como pode ocorrer, esse laço quase fraternal e enfoque específico podem desaparecer rapidamente.

Igualmente não custa recordar que Di Si fez carreira na Fiat (de cultura empresarial bem diferente da VW) e seu modo de gestão trouxe muitas mudanças na Volkswagen brasileira. Um exemplo bastante simplista, porém muito representativo: foi dele a iniciativa de abolir a obrigatoriedade de uso de gravata para executivos no dia-a-dia da montadora.

Vale ainda mencionar a interessante constatação que dois recentes presidentes da VWB foram promovidos a cargos importantes e diretamente ligados ao processo de eletrificação da fabricante: Thomas Schmall é hoje membro do Conselho de Administração do Grupo Volkswagen encarregado da Tecnologia e CEO da Volkswagen Group Components. Na prática é o homem por trás da criação de uma nova empresa do Grupo responsável por produção de baterias e pela construção de uma ‘gigafábrica’ de baterias para veículos elétricos na Alemanha. E agora Di Si vai cuidar da eletrificação do Grupo nos Estados Unidos, mercado-chave para qualquer fabricante com grandes aspirações globais como é o caso da VW.

A exceção foi David Powels, sul-africano que hoje é VP financeiro e de TI da Seat. Ele foi presidente da VWB por apenas dois anos e nove meses, justamente entre Schmall e Di Si. Pablo ficou no cargo por cinco anos e Thomas por sete.

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