Entrevista: Marina Willisch, VP da GM, e o sonho do carro elétrico nacional

Vice-presidente de Relações Governamentais, Comunicação e ESG da General Motors América do Sul concedeu entrevista ao Use Elétrico

Marina Willisch

Marina Willisch é vice-presidente de Relações Governamentais, Comunicação e ESG da General Motors América do Sul desde janeiro de 2020 – sucedeu a ninguém menos que Marcos Munhoz, que trabalhou na fabricante por quase 50 anos. Ela está na GM desde 2013, onde chegou como diretora tributária, depois de dez anos de Mercedes-Benz. A executiva é mestre em Direito Corporativo e Economia pela Fundação Getúlio Vargas, além de Bacharel em Direito pela PUC/SP.

Marina concedeu esta entrevista exclusiva ao Use Elétrico durante a apresentação do novo Chevrolet Bolt no Campo de Provas da Cruz Alta, em Indaiatuba, SP, na última sexta-feira (26/8). Confira a seguir os principais trechos dessa relevadora conversa sobre elétricos e os planos da montadora para a eletrificação no Brasil.

Use Elétrico – A GM está lançando o novo Bolt e já anunciou mais três elétricos para o mercado nacional, mas não fala nada sobre híbridos ou etanol. Por quê?

Marina Willisch – O carro a etanol é muito bom, inclusive vendemos ótimos carros a etanol com excelente eficiência energética. Mas o elétrico é zero emissão. Estamos trabalhando muito na informação, e o trabalho da mídia também é muito importante nesse ponto, de derrubar os mitos, os viés do inconsciente. Porém existe uma falsa sensação de que há uma fórmula mágica, de que precisamos primeiro passar pelos híbridos para chegar aos elétricos. Já temos elétricos puros e o híbrido é um produto consolidado, não é novo. A GM mesmo teve muitos híbridos: o próprio Volt, por exemplo, era híbrido.

UE – A visão da GM então é a de que podemos passar direto dos veículos a combustão para os elétricos, pulando os híbridos?

MW – Essa etapa dos híbridos não é necessária. Vamos lembrar que o híbrido é um carro mais complexo do ponto de vista da estrutura, são dois carros em um. É o dobro de coisas para comprar, o dobro de coisas para montar e o dobro de coisas para desenvolver. Se gasta muito mais. É como se ao invés de ter uma casa você tivesse duas. São dois custos de manutenção, duas necessidades de reforma, etc. E o recurso é um só, é único, não são dois dinheiros. Se a tecnologia do elétrico já está disponível, por que passar pelos híbridos primeiro? O novo Bolt, por exemplo, já é um modelo de segunda geração. Não é uma coisa futurística, já está na rua. Há países na Europa onde os elétricos já têm 40% de participação de mercado. Não há motivo para precisarmos passar por uma fase intermediária antes.

UE – Então a GM não pretende lançar híbridos Chevrolet no mercado brasileiro?

MW – Hoje não vemos necessidade de termos híbridos. Esse período, para a gente, já passou, não precisamos voltar, protelar algo que já podemos fazer agora. A viabilidade tecnológica está aí. É um esforço grande, requer muito investimento, mas estamos nos programando para ter uma gama grande de elétricos. Nós queremos liderar a eletrificação. Temos os produtos disponíveis, e atualmente há ainda a parceria com a Honda para desenvolver uma plataforma e modelos específicos para mercados como o brasileiro e o chinês. Teremos carros elétricos para cada categoria, e serão acessíveis, viáveis, pela redução dos custos. O conceito da GM é o chamado ‘EVerybody In’, ou seja, que independente do tamanho do bolso do consumidor ele possa fazer a opção por um elétrico. Nosso esforço é para isso.

UE – A GM pretende criar uma estrutura pública de carregamento para elétricos no Brasil ou o foco será exclusivamente em equipamentos tipo wallbox?

MW – O que a gente explica para o cliente é que ele não é obrigado a ter o wallbox, mas a nossa sugestão, a nossa recomendação, é essa, que ele tenha, por conforto e praticidade, para carregar o carro como se carrega o celular, em casa, à noite, com um custo baixo. Em termos de infraestrutura pública o que queremos é aumentar as parcerias com o poder público, inclusive governos municipais e estaduais, com as concessionárias de rodovias e energia, que já são muito avançadas nesse tema, associações, entidades, empresas etc. para planejar tudo muito bem, identificar exatamente onde precisamos de um carregador, levando em conta o tráfego, tipo de carro, movimento daquela região etc. As nossas concessionárias, por exemplo: a GM tem a maior rede do Brasil, com mais de 300 casas, pode ser uma coisa bacana, aproveitar a estrutura delas… é uma ideia. Mas esse planejamento, a meu ver, é até mais importante do que as parcerias em si. Temos que estudar a infraestrutura como um todo.

UE – Nesses estudos e planejamentos, hoje, há algo que se possa destacar?

MW – Há várias coisas, mas vou contar um caso real: nós estivemos recentemente no Pantanal para um evento da S-10. Não estávamos em um local ermo, era um hotel, com bastante estrutura, a três horas de Campo Grande, não era no meio do nada. Levamos 15 carros para lá e o posto de combustível mais próximo estava a 80 quilômetros de distância. Imagine o tempo e o dinheiro que o morador local, o agricultor, os trabalhadores, o dono do hotel, da empresa de ônibus etc. daquela região gastam com isso. Então essa coisa de haver um posto em cada esquina, como se diz, também é relativa. E o mais curioso é que no hotel havia um sistema de placas solares instalado. Imagine um carro elétrico ali. Seria ótimo, faz muito mais sentido. Agora imagine se em uma fazenda o trator, o maquinário agrícola, fosse elétrico. Uma máquina agrícola em grandes propriedades chega a rodar, na época da colheita, mais de 300 km por dia, dentro da própria fazenda. Por isso há tanques de diesel ali mesmo, para abastecer o maquinário agrícola dentro da fazenda. Veja só o custo e o perigo disso. O Brasil nasceu para o elétrico. 85% das fontes energéticas são renováveis, está tudo fácil, disponível: sol, vento, água. Lembre das pequenas centrais hidrelétricas. E não é só isso. Imagine nas comunidades ribeirinhas, as mais afastadas, se houvesse um sistema de placas solares. A energia, grátis, poderia ser usada de manhã para alimentar uma escola e à noite as casas. Dá para fazer muita coisa, inclusive em conjunto, unido várias comunidades pequenas. Pense no potencial disso. Esse local amanhã pode ter moto elétrica, carro elétrico, ônibus elétrico. Veja a evolução. Essas pessoas não vão precisar morar na cidade para ter conforto, elas poderão morar onde estão hoje, mantendo suas raízes, suas origens. Veja aonde que a tecnologia elétrica, a mobilidade elétrica, pode nos levar. É um campo quase sem fim, só depende da gente.

UE – Uma questão que não se pode fugir hoje quando falamos em carros elétricos é o preço. O próprio novo Bolt custa R$ 329 mil e os próximos três Chevrolet elétricos, pela lógica, deverão ser ainda mais caros…

MW – Nosso plano é lançar até 2026 modelos elétricos na mesma faixa de preço dos carros a combustão, com uma nova tecnologia de baterias, o que é muito interessante não só do ponto de vista da compra como do custo de propriedade, que é menor no elétrico. Isso é para daqui três, quatro anos, não é em um futuro distante. Contando outra história, essa mais antiga: um dos fundadores da GM produzia carroças. Ele queria fazer algo melhor, não estava satisfeito. Pesquisando com os consumidores da época eles pediam coisas como mais um cavalo, para andar mais rápido. Mas um cavalo não era barato. E cavalo come, fica doente, fica cansado, cria um problema de saúde pública com o esterco, fica velho, morre. Mas as pessoas queriam mais velocidade. Então, o que ele fez? Trocou os cavalos por um motor a combustão na carroça. Sim, obviamente era mais caro do que a carroça convencional, com cavalos, mas olhe o tamanho da evolução. Tudo que é novo, tecnologicamente mais avançado, no início é mais caro mesmo. Veja o que aconteceu com os celulares, com os computadores. No começo eles também eram muito mais caros do que são hoje.

UE – Como será possível reduzir tão ‘rapidamente’ o preço do elétrico?

MW – O nosso trabalho como montadora é pesquisar e investir para oferecer para o mercado os produtos com o melhor preço possível. É importante lembrar que a plataforma que temos para elétricos é única, aceita do Bolt ao Hummer. Para desenvolver um carro a combustão levamos de três a quatro anos, com um investimento pesadíssimo em calibragem de motor, testes de emissão etc. São dois anos a mais de desenvolvimento do que um carro elétrico. Isso é custo. Em uma plataforma para elétricos podemos até promover melhorias, mas não precisamos começar do zero. Essa redução de custo em desenvolvimento vai se refletir em benefício para o cliente tanto em termos de velocidade do avanço da tecnologia quanto em preço. É o que acontece hoje com os celulares. Com o aumento de volume, será uma coisa natural.

UE – O Brasil poderá um dia fabricar carros elétricos?

MW – O Brasil tem uma capacidade gigantesca de se tornar um hub de produção e desenvolvimento de carros elétricos e de tecnologia elétrica. Temos uma engenharia fortíssima, um mercado consumidor consolidado, todos os fornecedores globais estão aqui, todos os minerais estão aqui ou nos países vizinhos… se temos todo esse potencial, por que não fazer aqui? Isso também representaria uma queda nos custos e consequentemente no preço, especialmente se tivermos uma política fiscal coerente. Não só podemos fazer, como precisamos fazer. Se não virarmos produtores de elétricos vamos perder todo nosso potencial de exportação. É um fato. Não vamos exportar nem para os mercados menos desenvolvidos, porque hoje mesmo já não fazemos isso por questão de custo, não temos competitividade. Por que em mais dez anos a teríamos?

UE – Talvez porque até lá cobriríamos a lacuna de algum país que deixou de fabricar modelos a combustão, substituindo-os pelos elétricos, e não pode mais atender àquele mercado de exportação…

MW – Mas se os outros vão fabricar elétricos, e o custo deles será similar ao dos modelos a combustão, por que esses mercados de exportação optariam por continuar no veículo a combustão? Vamos pegar, por exemplo, a África. Eles têm condições climáticas semelhantes às nossas, têm sol, vento, podem ter energia eólica, solar, etc. Os países vizinhos do Brasil já estão indo para os elétricos, já têm legislações para isso. Se não formos para os elétricos vamos perder até o mercado sul-americano de exportação. Não podemos ver esse cavalo selado passando pela nossa frente, não montá-lo e, ainda por cima, e o que é pior, ficar preso nas ideias do passado. E por qual razão? Ideologia, apego?

UE – A GM gostaria de liderar esse movimento de fabricação de um carro elétrico nacional também?

MW – Tomara, esse é o sonho. Estamos tentando construir uma junção de políticas públicas, poder público, conhecimento do consumidor, que sempre ajuda muito, investimento privado, fornecedores, concessionários etc. rumo a esse objetivo. Estamos nos preparando, mas é o conjunto da obra que tornará isso possível.

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s