Empresário é o presidente da Kia no Brasil e já comandou a Abeifa por cinco mandatos

O experiente empresário José Luiz Gandini, presidente da Kia do Brasil, sempre teve um faro apuradíssimo para questões de mercado, em particular dos importados – ele presidiu a Abeifa, associação que representa as importadoras, por cinco mandatos. E, assim, consegue enxergar com rara profundidade e detalhamento este segmento, no qual os veículos elétricos e híbridos estão profundamente inseridos.
Gandini concedeu esta entrevista com exclusividade ao Use Elétrico durante o lançamento do novo Kia Niro em Indaiatuba, SP, no começo deste mês, e não fugiu ao seu conhecido estilo franco e direto ao comentar várias questões envolvendo os carros eletrificados no Brasil.
Acompanhe a seguir os principais trechos da conversa:
Use Elétrico — O sr. tem bastante experiência no mercado brasileiro de veículos, particularmente os importados. Em sua análise o que tem sustentado o claro avanço do mercado de eletrificados no Brasil?
José Luiz Gandini — Na minha visão o crescimento do mercado de eletrificados se deu principalmente pelas regras do Rota 2030. Teve gente que não conseguiria atingir as metas [aferidas até setembro] e se viu diante de uma situação na qual seria mais barato importar vinte carros elétricos e dar de presente do que pagar a multa. Isso distorceu o mercado. Outra coisa que ajudou foi a mudança de tributação que o governo fez [isentando o imposto de importação]. Se fosse tudo igual não tinha híbrido no Brasil, porque ele é mais caro lá fora. Se a tributação fosse a mesma eles estariam fora do mercado, não tenho dúvidas disso. Outra coisa que ajuda é a isenção ou desconto do IPVA, dependendo do lugar. Mas até quando isso vai se manter? Não temos noção. Mas não tenho dúvidas de que [o mercado de eletrificados] vai crescer, o brasileiro já pensa muito nisso.
UE — De que forma?
JLG — O consumidor já procura o híbrido. Vou até mais longe, e essa minha opinião é repartida por todos os nossos concessionários: o Stonic, por exemplo [modelo híbrido leve da Kia], vende muito melhor para o consumidor acima de 60 anos do que para o público mais jovem.
UE — Qual a razão para isso?
JLG — Sinceramente, não sei. Não tem uma explicação lógica. Só sei que grande parte das vendas do Stonic são para pessoas de mais idade. Prova disso é que tivemos mais dificuldade para vender os modelos de cores amarelo e vermelho, porque este é um cliente mais conservador, não quer carro dessas cores. Quando fizemos o pedido dos carros acreditamos em uma menor faixa etária dos compradores. É difícil explicar.
UE — O fato dos híbridos e elétricos estarem isentos do rodízio municipal em São Paulo é um bom argumento de venda na cidade?
JLG — Sim, isso ajuda muito, especialmente para quem tem só um carro em casa.
UE — A Kia já lançou no Brasil três modelos híbridos, o Stonic, o Sportage e o Niro, mas nenhum deles é plug-in. Está nos planos?
JLG — Ainda não temos um modelo híbrido plug-in disponível para o Brasil. Teremos o Sorento híbrido no ano que vem, e provavelmente ele será plug-in, mas ainda não está definido. É um modelo que está sendo desenvolvido na Coreia do Sul.
UE — E quanto ao lançamento por aqui do 100% elétrico EV6? Só mesmo no fim de 2023 ou até mesmo início de 2024?
JLG — Não, conseguimos antecipar para agosto ou setembro de 2023. Fomos surpreendidos com essa notícia na última viagem que tivemos para a Coreia do Sul, graças ao aumento de produção do modelo por lá. Mas confesso que não sei qual será o desempenho comercial do EV6 no Brasil. É uma dúvida minha. Não é uma crítica ao carro, que é ótimo, um espetáculo, mas sim à infraestrutura daqui. Não estamos preparados para o carro elétrico ainda. Tivemos uma experiência de ir com um EV6 até o Uruguai e voltar. No roteiro checamos todos os carregadores pelo caminho, levamos carregador portátil etc., e mesmo assim enfrentamos dificuldades como carregadores quebrados, sem energia, com cabo furtado… nós fizemos isso de forma consciente, para mostrar para o público, sabíamos que encontraríamos problemas. A minha opinião pessoal, como usuário de automóveis, é que o carro tem que ser seu escravo e não você ser escravo do carro. Imagine que você está em casa em São Paulo, e seu filho foi para o Rio de Janeiro. Aí ele te liga, diz que houve um problema, e você precisa buscá-lo, à noite. Eu não iria de carro elétrico.
UE — Quanto vai custar o EV6 no Brasil?
JLG — Não sei ainda, não fechamos o preço com a matriz.
UE — Com o início da venda do EV6 a Kia também terá um programa de instalação de carregadores no Brasil?
JLG — Sim, já estamos fazendo isso. Teremos um carregador rápido em cada concessionária, e vamos inclusive aproveitar a reforma das lojas, com alteração para a nova identificação visual da Kia, neste processo. Ainda neste mês já estamos instalando carregadores nas casas de Porto Alegre e no Rio de Janeiro. Aproveitando, aliás, vou contar uma história. Agora em outubro inaugurou um grande supermercado em Itu [cidade sede da Kia do Brasil]. O dono é nosso conhecido, me ligou e pediu ajuda para colocar um carregador de carro elétrico no estacionamento, como inovação. Eu até dei um carregador que tínhamos na Kia para ele. Mas isso é muito mais marketing do que uso prático. Quantos carros elétricos tem em Itu hoje para usar essa vaga com carregador no supermercado? Isso vai acontecer, sim, vai mudar, mas eu não tenho convicção de que o elétrico será a escolha definitiva no futuro.
UE — O sr. arriscaria uma projeção de vendas de eletrificados no Brasil para 2023?
JLG — Quem será o presidente do Brasil no ano que vem? Quem será o ministro da economia? O MDIC [Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio] vai voltar? Não dá para falar em projeção agora. Só depois das eleições.
