Avaliação: Citroën ë-Jumpy é tudo que o Volkswagen ID.Buzz deveria ser

Modelo é o real sucessor elétrico da Kombi: um verdadeiro utilitário.

Recentemente um marco da indústria automobilística nacional se despediu das lojas, o VW Gol. Foram sete gerações do modelo vendidas no Brasil e, é claro, um certo clima nostálgico ficou no ar – são realmente poucas as pessoas que não tiveram alguma experiência com o compacto. Este que vos escreve, por exemplo, teve no Gol o seu carro de auto-escola.

Pode-se traçar um paralelo com a história de outro ícone nacional, e da mesma marca, a Kombi. A diferença é que chega a causar espanto a lembrança de que o utilitário, diferentemente do compacto, viveu todo o tempo praticamente na mesma geração, a primeira, com algumas poucas e pontuais mudanças.

Ao contrário do modelo alemão, no Brasil a Kombi foi praticamente a mesma durante toda sua longa trajetória de mais de 50 anos. Só morreu por força de legislação que obrigava a instalação de airbags e freios ABS, em 2013. Saiu de cena com seu arcaico câmbio de quatro marchas e sem deixar herdeiro.

Bem, mas nasceu (e já roda em testes no Brasil) o VW ID.Buzz, é verdade, que a própria montadora faz questão de chamar de Kombi elétrica. Corretamente, em minha opinião, a marca associa o novo modelo ao mesmo clima nostálgico a que nos remete o Gol – não há dúvidas que também quase todo mundo tem uma história com uma Kombi.

Mas há uma diferença sensível entre estes dois universos: o (ou ‘a’?) ID.Buzz traz toda a aura histórica da Kombi consigo, mas ele não é uma Kombi. Ele não nasceu para transportar todo tipo de carga ou passageiros sem reclamar, para enfrentar qualquer tipo de terreno, para ser pau-para-toda-obra. Ele nasceu, sim, para homenagear e reverenciar uma história – mas não para continuar essa história.

É exatamente a mesma relação do Fusca com o New Beetle e o Novo Fusca: linda homenagem, referência clara, arranca sorriso de qualquer um. Quem não queria? Eu sim, ainda quero, assim como quero um ID.Buzz. Mas o New Beetle e o Novo Fusca não eram o Fusca. Eram muito (mas muito!) mais caros, sofisticados, tecnológicos, chiques. Elitizados. Uma bela saudação a um legado incrível. E só.

No Brasil, se for lançado, o ID.Buzz terá o mesmo papel do New Beetle em relação ao Fusca. Será uma belíssima ferramenta de marketing, de imagem e de força de marca. Mas não será barato, não será para o frotista, não trabalhará como Escolar. Não vai carregar uma tonelada no lombo. Servirá, sim, para enfeitar garagem. E fará isso muitíssimo bem. Essa constatação não é uma crítica nem um questionamento, mas sim apenas um esclarecimento a respeito do posicionamento de mercado do modelo.

Quem realmente ocupa o lugar espiritual da Kombi no universo dos veículos elétricos dentro do mercado brasileiro é o Citroën ë-Jumpy (e seus irmãos quase gêmeos Peugeot e-Expert e Fiat e-Scudo). Esse sim é um veículo 100% elétrico feito para o trabalho, para o transporte. Um utilitário na pura concepção da palavra.

Ainda que não tenha nascido como um veículo 100% elétrico, vez que deriva da versão diesel, o ë-Jumpy impressiona por vários motivos. O principal é ter exatamente as mesmas dimensões internas e externas do modelo original a diesel, o que garante quase um universo de espaço no compartimento de carga – mais especificamente 6,1 m3. Só perde na capacidade de levar peso, mas ainda assim o elétrico carrega uma tonelada (contra uma tonelada e meia do diesel).

Em compensação tem todos os benefícios de um BEV: silencioso ao extremo, zero vibração, dispensa o câmbio e, é óbvio, emite zero poluentes. A autonomia, para um veículo desse porte, é bastante interessante: 330 km na cidade e 237 km na estrada. A isso se somam outras características originais do projeto, como excelente posição de dirigir e conforto simplesmente inesperado para um utilitário – o modelo usa a mesma plataforma do Citroën C4 Picasso e do Peugeot 3008, a EMP2.

Altura perfeita para entrar justinho em garagens de prédios

É no dia-a-dia que o ë-Jumpy brilha. Apesar de enorme por dentro, por fora não é trambolhento, o que ajuda na agilidade no trânsito. É rápido, é veloz, é prático. E baixo: com menos de 2 metros de altura total, entrou em duas garagens subterrâneas de prédios na correria de uma mudança. Apertado, sim, mas entrou – o que facilitou enormemente o processo de põe-e-tira de móveis e utensílios.

Coisa boa também é o plugue tipo 2 e CCS para recarga. Em carregador rápido de 50 kW o furgão levou cerca de 40 minutos para ir de 20% a 80% da bateria (e uma hora e vinte minutos para ir a 100%). Em um equipamento de 22 kW, quatro horas. No uso real a autonomia na cidade não passou de 300 km e de 220 km na estrada. Com carga (cerca de 500 kg) o ‘consumo’ aumentou cerca de 15%.

Na estrada, comportamento exemplar

Ponto negativo mesmo apenas um: o espelho retrovisor interno, que não serve para absolutamente nada, vez que há um separador metálico da cabine para a área de carga. O furgão deveria ser equipado com um sistema como o do Nissan Leaf 2023, dotado de câmera traseira que transmite as imagens diretamente no retrovisor interno.

Mais dois pontos a se lamentar: a inexistência de uma versão passageiros (o modelo diesel chegou a ter versão minibus no Brasil, atualmente fora de linha), e o preço. Enquanto a Jumpy diesel custa R$ 159 mil a ë-Jumpy sai por R$ 285 mil – praticamente 80% a mais. Com essa diferença fica difícil convencer um pequeno empresário a fazer a escolha pela elétrica. Só mesmo grandes corporações com rígidas metas ESG têm condições de arcar com tamanha variação.

Espelho retrovisor interno não serve para nada

Ainda assim o ë-Jumpy pode ser considerado um sucesso no mercado interno: foi o vice-campeão de vendas nos comerciais leves 100% elétricos no Brasil em 2022, com quase 250 emplacamentos, atrás somente do Renault Kangoo ZE (com 400 unidades vendidas). O e-Expert foi o terceiro colocado da lista, com pouco mais de 200 – juntos, assim, os irmãos venderam mais que o solitário colega francês.

Não me restam dúvidas de que o ë-Jumpy é o sucessor prático e elétrico da velha Kombi. Um leitor atento poderá observar que o ID.Buzz também tem uma versão carga na Europa, mas justamente pela questão do posicionamento de mercado e de marketing não acredito que será vendido no Brasil. Mesmo se for, perderá feio em medidas para o ë-Jumpy: área de carga de 3,9 m3 e capacidade máxima de 600 kg. Ganha só na autonomia, 425 km (ciclo WLTP).

Ah, mas o ID.Buzz Cargo é mais bonito. É sim, sem dúvida. Não há o que discutir. Ocorre que um utilitário não foi feito para ser bonito, mas sim funcional. O ë-Jumpy é um utilitário mais raiz, mesmo que 100% elétrico. E não tem nada mais raiz em termos de transporte do que uma boa Kombi…

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