Artigo: Brasil é primeiro mundo em descarbonização, por Besaliel Botelho

Autor é ex-presidente da Bosch e da AEA e membro do Conselho Consultivo da Bright Consulting

Orgulho-me em ter sido protagonista dessa história…

O sistema flexfuel que desenvolvemos de forma pioneira e inovadora no início dos anos 90 comemora esse mês 20 anos de mercado. 

Vem à mente novamente aqueles anos desafiadores, quando tínhamos um mercado fechado e a indústria automobilística local começava a ser desafiada a se modernizar. Uma ideia que surge na abertura do mercado brasileiro possibilitando a introdução da injeção eletrônica de motores e que começava a substituir o carburador dos veículos no Brasil…

Sim, para a época uma grande revolução disruptiva para nossa indústria de automóveis e de fornecedores locais. Desenhávamos com as quatro grandes montadoras as possíveis rotas tecnológicas para introdução da Injeção eletrônica nos motores.

Injeção monoponto, carburador eletrônico, injeção multiponto, injeção eletrônica por vazão de ar, ou por pressão de coletor, sistema close loop, novos coletores de admissão, novos sistemas de exaustão com catalisadores, tudo isso desafiado a cumprir a primeira fase do  PROCONVE, uma nova legislação de emissões veiculares, com limites de CO (monóxido de carbono), HC (hidrocarbonetos) e  NOx (óxidos de nitrogênio), limites esses bem maiores que os do PL7 de hoje.

Isso tudo dentro de um cenário de combustível, no qual o Proálcool (programa do governo que incentivava o uso do combustível álcool) dominava a produção de motores no Brasil e o preço do petróleo internacional impactava fortemente as divisas do pais.

Lembro-me bem dos desafios de nossa engenharia com o chamado E100, Etanol Hidratado…

Lutávamos para desenvolver produtos com materiais que suportassem o  contato direto com o álcool hidratado, garantindo qualidade e durabilidade necessárias.

Nessa época, criávamos muito conhecimento de matérias e de processos produtivos para viabilizar o primeiro carro 100% a álcool com injeção eletrônica multiponto. 

Um grande marco da nossa engenharia… mas ali já vivenciávamos um grande drama do nosso consumidor da época, quando a distribuição do álcool ficava cada vez mais instável e o consumidor perdia sua mobilidade por falta de álcool nos postos de abastecimento.

- Vamos fazer um sistema de injeção que trabalhe com os dois combustíveis misturados para que o consumidor não perca sua mobilidade.

- Vamos dar esse livre arbítrio ao consumidor.

Ideia não tão fácil de se executar sem grandes pesquisas e desenvolvimentos realizados com nossa engenharia brasileira.  

No banco da escola do primeiro grau aprendemos que água e óleo não se misturam.

Como você quer misturar os dois combustíveis sendo que álcool hidratado tem 7% de água…

Precisamos provar que isso é possível…

Um famoso estudo de miscibilidade feito por nossos pesquisadores em parceria com a Petrobras e a Unicamp pôde comprovar essa possibilidade e abrir caminho pra o desenvolvimento do sistema flexfuel.

Provamos que não haveria separação de fase dos combustíveis em qualquer proporção de mistura até o limite de -10º C, precisaríamos achar um bom compromisso de taxa de compressão dos motores e garantir em todas as composições de mistura pressão e temperatura que teríamos uma solução tecnicamente robusta e que atendesse às especificações de nossos clientes.

Esse foi apenas um dos inúmeros desafios que enfrentamos na década de 90 para iniciar o desenvolvimento de um sistema de injeção flexfuel…

Demorou? Sim, demorou… Foi preciso quase 10 anos, após termos apresentado ao mercado em 1992 o primeiro veículo protótipo flexfuel, para convencer nossas clientes montadoras, órgãos governamentais e os produtores de combustível, sobre a nossa ideia maluca que iria revolucionar nossa indústria.

Mas enfim conseguimos… Um teste de mercado no início de 2003 usando uma vantagem de IPI para carros a álcool ou flex, alavancou nossa ideia e criou um novo mercado.

O mercado dos bicombustíveis.

Não imaginávamos que tal ideia iria transformar tanto a nossa indústria como a fez nesses últimos 20 anos…

Hoje, graças a essa tecnologia, temos um Brasil de primeiro mundo em descarbonização.

O mundo corre atrás gastando trilhões de dólares na corrida de descarbonização para chegar um dia onde o Brasil está hoje.

Temos a matriz energética mais limpa do mundo e um mercado que pode acolher várias tecnologias novas de propulsão de motores sem grande disrupção  e impactos socioeconômicos.

Temos espaço para várias rotas tecnológicas: veículos elétricos, veículos com motores a combustão a gás metano ou natural, a etanol, versão flex, versão híbrida plug-in, versão híbrida flex e soluções mais inovadoras como o uso de célula de combustível com hidrogênio verde.

Tudo isso com o desafio de fazer caber no bolso dos diferentes níveis econômicos do nosso consumidor, numa transição que garanta manter nossa liderança em descarbonização e equilíbrio socioeconômico.

Somos primeiro mundo neste quesito e o mundo corre atrás com investimentos bilionários e alto risco socioeconômico para chegar onde estamos…

Grande oportunidade para nossa indústria de ser a solução para a grande transição tecnológica que ocorre no mundo, exportando nossa capacidade de descarbonização.   

Orgulho de fazer parte desta História.

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