SUV médio 100% elétrico chinês encanta em vários aspectos

No início da década de 80 um slogan se tornou muito famoso no meio automotivo brasileiro. Ele assegurava: “Carro a Álcool. Você Ainda Vai Ter Um”.
Era uma campanha da Copersucar, obviamente grande produtora de açúcar e álcool, vinda no embalo do Proálcool da época.
O objetivo, naturalmente, era fazer com que os consumidores acreditassem que em breve todos os modelos vendidos no Brasil seriam movidos a álcool, que isso era algo positivo e que então o processo natural era o próximo carro deste consumidor ser movido por este combustível. “Não temeis o futuro, ele é bom” – algo neste sentido.
Ocorre, porém, que esta propaganda carregava em si, quase inconscientemente, também uma mensagem de algo inescapável, quase ameaçador. O objetivo era convencer o cliente de que o carro a álcool era bom, e que se fosse ele um ‘early adopter’ (como gostam de dizer hoje) aquele era o caminho. Mas e quem não queria um carro a álcool? Bem amigo, não há o que fazer, você um dia vai ter um – queira ou não queira. Mais cedo ou mais tarde o carro a álcool vai te pegar. Azar. Não há como lutar. Nem fugir. Se não há como vencê-los, una-se a eles.
Em resumo, a frase publicitária podia ser encarada por um lado positivo e por um negativo, ainda que este se apresentasse de uma forma bastante oculta e furtiva – até pela linguagem colorida e pelas imagens felizes apresentadas nas propagandas da época.

O fato é que o slogan pegou, e acabou sendo reaproveitado e reutilizado dezenas de vezes. Há pouco mais de dez anos, no embalo da chegada da Jac Motors ao Brasil, disseram: carro chinês, você ainda vai ter um. Hoje diz-se carro elétrico, você ainda vai ter um. Também nestes casos, e em muitos outros, pode-se ver a coisa pelo lado positivo ou pelo negativo.
O BYD Yuan Plus, R$ 270 mil, quase se encaixa neste slogan. Quase porque ele não traz a parte ameaçadora da questão – você ainda vai ter um e pronto, não reclame. Com ele é diferente. O slogan perfeito para este SUV médio 100% elétrico chinês seria: BYD Yuan Plus. Você Ainda Vai Querer Um.
Sinceramente é difícil criticar o BYD Yuan Plus. O estoque clássico de críticas a um carro chinês simplesmente inexiste: ele não é feio, não é mal-acabado, não tem falhas construtivas, não tem cheiro ruim, não dá sensações de fragilidade. Ao contrário: se você disser que BYD é uma marca alemã que significa Bayern Yogaübung Durchschnitt qualquer um acreditará ao ver o modelo de perto.
A falha é o nome essencialmente chinês, Yuan Plus. É o único aspecto que falta a este carro para evoluir. Por que não BYD Freedom, BYD Nature X, BYD Spirit, algo assim? Seria muito melhor.

O caso do Yuan Plus é que ele se aproveita da liberdade de uma marca que pode simplesmente se dar ao luxo de jogar pela janela tudo o que se referia a combustão e investir um Monte Everest de dinheiro em veículos elétricos. As marcas tradicionais ainda não podem fazer isso: VW, Fiat, GM, Ford, BMW, Mercedes-Benz, Volvo, e quem mais você quiser, mesmo que hoje se dediquem só a novos projetos de elétricos, seus engenheiros, seus business plans (existe plural de business plan?), seus orçamentos, suas contas no fim do mês, sua visão de projeto ainda trazem resquícios dos modelos a combustão. É a vida, é assim que funciona.
Essa condição engenheiro-econômica (sim, inventei isso agora) se torna pura materialidade para o motorista que assume o volante do BYD Nature X Yuan Plus. Para os mais sensitivos fica claro no volante, no assento, na aceleração, no toque, no tato, na visão, que se está a bordo da mais atual geração de um carro no mundo. Você não sabe explicar – mas você sabe.
Se você é daqueles chatos que gostam de terminologias técnicas que não significam nada mas ainda assim as usa para embasar suas opiniões, ok, lá vai: o Yuan Plus é o primeiro carro da BYD construído na nova plataforma e-Platform 3.0 (esse nome, sim, ficou bom). Ele foi apresentado pela primeira vez na China, no Guangzhou International Auto Show, em novembro de 2021. Sabe o que isso quer dizer? Isso faz um ano e meio. Vai ser difícil você achar, no mercado brasileiro, algo tão realmente novo, recente, fresquinho. É um carro que acabou de sair do forno. Não só com carroceria nova, mas com um conjunto inteiramente novo e moderno – na concepção mais objetiva da palavra.

“Ah, mas e o alcance?” O declarado é 294 km (PVBE ajustado)/458 km (PBVE sem ajuste). Só que eu consegui 480 km sem nenhum grande esforço em ciclo urbano. No rodoviário foram dois trechos. No primeiro, com distância total de 98 quilômetros, andando 100% do tempo com ar-condicionado ligado, só eu de motorista e sem bagagem, no modo ECO, sendo 55 quilômetros a 120 km/h e 43 quilômetros entre 110 km/h e 90 km/h (sempre respeitando o limite máximo do trecho), a quebra (diferença entre o consumo urbano e o rodoviário) foi de 5%.
No segundo foram 113 quilômetros percorridos, também com ar ligado 100% do tempo e modo ECO, com mais um passageiro e sem bagagem, sendo 65 quilômetros a 120 km/h e 48 quilômetros entre 110 km/h e 90 km/h, a quebra chegou a 14%. São resultados muito bons.
“Ah, mas o Yuan Plus não tem defeitos?” Tem sim. O porta-malas não tem abertura elétrica. O sistema multimídia não tem Android Auto. E o comando de voz (que serve para quase tudo, de abrir janelas e teto solar a ligar o ar e o rádio) só fala inglês. Mas são falhas facilmente corrigíveis, não são estruturais. É só querer arrumar.

Para mim a maior certeza de como o Yuan Plus é bom veio de terceiros. Um jornalista automotivo das antigas, usualmente questionador e temerário com relação aos elétricos, me pediu opinião sobre viajar com este carro em trajeto de 500 km. Perguntei o roteiro e avisei: bem no meio do caminho tem um carregador rápido da Volvo. Para lá e seja feliz. Ele foi e voltou. Deu seu veredicto: “Viajar com silêncio e conforto, sem emitir dióxido de carbono na atmosfera e não gastar nada com combustível é uma sensação boa”. Deu nota 9,2 em 10. Parece que o ranço dele pelos elétricos passou.
Em outra ocasião estacionei o BYD em um bairro da zona Oeste de São Paulo e na volta um simpático senhor, por volta dos seus 80 anos, estava olhando interessado o SUV. Ao me ver abrir a porta perguntou: – Que carro é esse? Expliquei tudo, tudinho, até abri o capô. Ele olhou, olhou e deu seu veredicto: “Para mim, que sou velho, não serve. Mas pro meu filho serve. Ele tem um Land Rover. E esse é muito melhor.”
Para mim, é caso encerrado.
*A BYD Brasil cedeu gentilmente um Yuan Plus por seis dias para avaliação pelo Use Elétrico.